Por Tatiane Oliveira da Silva, Advogada para Homens
1. Introdução
A Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) trouxe mecanismos céleres para proteger mulheres em situação de violência doméstica, permitindo ao juiz, por exemplo, determinar o afastamento do suposto agressor do lar (art. 22, II) .
Todavia, em inúmeros casos concretos, verifica-se que tais medidas são utilizadas de forma abusiva, como instrumento de chantagem em litígios familiares, retirando o homem de sua própria residência ou de imóvel exclusivamente de sua propriedade, sem que se configure risco atual ou efetivo à integridade da mulher.
Nessas hipóteses, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido a possibilidade de ações possessórias (reintegração de posse) e petitórias (imissão na posse) como instrumentos para restabelecer a situação patrimonial legítima, uma vez que as medidas protetivas possuem natureza cautelar e temporária, não podendo servir como título para transferência de posse ou restrição definitiva do direito de propriedade .
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2. Fundamentos Constitucionais e Civis
- Constituição Federal, art. 5º, XXII: garante o direito de propriedade.
- CF, art. 5º, XXXV: assegura a inafastabilidade da jurisdição.
- Código Civil, art. 1.228: confere ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, bem como o direito de reavê-la do poder de quem injustamente a possua .
- Código Civil, art. 1.210: garante ao possuidor o direito de ser mantido, reintegrado ou assegurado na posse .
- Código Civil, art. 1.659, I: exclui da comunhão os bens adquiridos antes do casamento, garantindo o caráter exclusivo da propriedade particular .
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3. Ações Possessórias: Reintegração de Posse
O Código de Processo Civil disciplina a matéria:
- Art. 561 do CPC: exige que o autor prove a sua posse, a ocorrência de esbulho, a data e a perda da posse .
- Art. 562 do CPC: autoriza a concessão de liminar de reintegração quando a inicial estiver devidamente instruída.
- Art. 558 do CPC: prevê rito especial para ações ajuizadas dentro de “ano e dia” do esbulho (força nova).
Assim, quando o homem é afastado injustamente de seu lar por medida protetiva que posteriormente se mostra indevida ou perde sua razão de ser, pode, cessada a ordem judicial, buscar judicialmente a reintegração de posse, desde que demonstre os requisitos legais.
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4. Ação Petitória: Imissão na Posse
Quando o homem nunca exerceu a posse diretamente (por exemplo, após separação de fato ou quando a mulher permanece no imóvel sem título), a via adequada é a imissão na posse, fundada no domínio exclusivo.
A jurisprudência reconhece que a matrícula do imóvel é título hábil para comprovar o direito de propriedade e autorizar a concessão de tutela de urgência com base no art. 300 do CPC, em casos de resistência injusta do ocupante .
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5. Medidas Protetivas e Limites Patrimoniais
As medidas protetivas têm natureza precária e provisória, subsistindo apenas enquanto presentes os requisitos que as justificaram. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que:
- REsp 1.966.556/SP (STJ, 2022): não é cabível o arbitramento de aluguel em favor de cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel após a saída do outro em razão de medida protetiva, justamente porque a medida não gera vantagem patrimonial, mas apenas visa à proteção cautelar .
Esse precedente reforça que a medida protetiva não transforma o afastamento em cessão de direitos sobre o imóvel, tampouco autoriza ocupação definitiva sem respaldo jurídico.
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6. Usucapião Familiar e Abandono do Lar
O art. 1.240-A do Código Civil, introduzido pela Lei 12.424/2011, criou a figura da usucapião familiar, em que um dos cônjuges ou companheiros pode adquirir, por usucapião, a propriedade de imóvel urbano de até 250m² se abandonado pelo outro por mais de 2 anos .
Entretanto, a jurisprudência tem afastado a aplicação dessa modalidade quando o afastamento decorreu de medida protetiva judicial, uma vez que não se caracteriza o “abandono voluntário” exigido pela lei .
Além disso, o Enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil (CJF) esclarece que o abandono deve ser voluntário e somado à ausência de tutela da família, não podendo ser presumido em situações de afastamento judicial .
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7. Doutrina
- Maria Berenice Dias destaca que as medidas protetivas devem ser aplicadas de forma proporcional e temporária, sempre observando o devido processo legal, sob pena de violar o direito de propriedade do homem. (Manual de Direito das Famílias, Juspodivm).
- Rolf Madaleno ensina que, em regimes de bens, a exclusividade patrimonial deve ser respeitada, e não pode ser relativizada por medidas de natureza cautelar. (Curso de Direito de Família, Forense).
- Conrado Paulino da Rosa ressalta que a Lei Maria da Penha deve ser interpretada em harmonia com os princípios constitucionais, especialmente no que tange aos reflexos patrimoniais, de forma a evitar abusos. (Direito de Família Contemporâneo, Juspodivm).
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Conclusão
O homem afastado de sua residência por medida protetiva indevida possui instrumentos jurídicos para proteger sua propriedade:
- Reintegração de posse (art. 561 do CPC) quando havia posse anterior e esta lhe foi retirada injustamente.
- Imissão na posse (art. 1.228 do CC c/c art. 300 do CPC) quando o direito decorre exclusivamente do domínio e há resistência ilegítima.
A medida protetiva não tem o condão de alterar o regime de bens, transferir propriedade ou conferir posse definitiva. Por isso, após a cessação ou revogação da ordem judicial, é legítimo o pedido de retorno ao imóvel, preservando-se o direito de propriedade constitucionalmente garantido.
Referências Bibliográficas
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BRASIL. Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: ago. 2025.
BRASIL. Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011 (introduz o art. 1.240-A no Código Civil – usucapião familiar). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12424.htm. Acesso em: ago. 2025.
CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciado 595 da VII Jornada de Direito Civil. Brasília: CJF, 2015. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2015/08/jornada-direito-civil. Acesso em: ago. 2025.
STJ – Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.966.556/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 08/03/2022, DJe 14/03/2022. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/08032022-Recurso-especial-decide-que-nao-cabe-cobranca-de-aluguel-de-ex-conjuge-afastado-por-medida-protetiva.aspx. Acesso em: ago. 2025.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2021.
MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
ROSA, Conrado Paulino da. Direito de Família Contemporâneo. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2023.
IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Diversos artigos sobre medidas protetivas e repercussões patrimoniais. Disponível em: https://www.ibdfam.org.br/. Acesso em: ago. 2025.
📲Tatiane Oliveira da Silva Advogada com 22 anos de experiência em Direito de Família para Homens OAB/RS 73088 – Especialista em Divórcio, Guarda, Alienação Parental e Revogação de Medida Protetiva
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